A primeira referência que temos de um ser humano que tenha dissecado alguns corpos humanos provém do século IV a.C. Trata-se de Herófilo de Alexandria, mas seus escritos foram destruídos pelo fogo.
Galeno, médico nascido em Pérgamo, na Ásia Menor, no ano de 126, desenvolveu seus estudos dissecando porcos, bodes e macacos. Suas observações anatômicas, porém, assumiram um papel de dogma, e a crítica aos seus estudos constituía-se em uma heresia mortal.
Somente em 1316, decorridos mil anos da morte de Galeno, surgiu o primeiro anatomista que, comprovadamente, dissecou corpos humanos. Mas, embotado pelos erros de Galeno, Mondino descreveu, erroneamente, que o baço desembocava no estômago, que o fígado tinha cinco lobos, que o coração possuía três ventrículos e que o útero era composto de múltiplos segmentos. E durante duzentos anos o seu livro Anathomia serviu como fonte de estudo sobre anatomia humana.
No ano de 1514 nascia, em Bruxelas, aquele que viria revolucionar o estudo da Anatomia e da Medicina. Andrea Vesalius passava longas horas no Cemitério dos Inocentes, em Paris, revirando ossos, sendo em diversas ocasiões ameaçado por cães selvagens. Obstinado e detalhista, mantinha durante várias semanas, em seu quarto, os corpos que tirava de túmulos ou que lhe eram dados após execuções públicas, dissecando-os, ensangüentando suas mãos, ao manipular exemplares humanos infectados ou em decomposição. Na época, eram desconhecidos as doenças infecciosas, as bactérias e os vírus.
Em 1543 Vesalius apresentou ao mundo científico a sua obra prima – De humani corporis fabrica, livri septem, mais conhecido como Fabrica, que tinha 42 centímetros de altura e 28 de largura. Os sete volumes eram encadernados em veludo de seda púrpura imperial, com setecentas páginas e tipografia jamais vista em um livro de medicina.
Os médicos da época ficaram atônitos com o bom gosto e o luxo do Fabrica. Porém o ex-professor de Vesalius, o mais importante anatomista da Europa, escreveu ao imperador: Imploro a Vossa Majestade Imperial que puna severamente, como ele merece, esse monstro nascido e criado em vossa própria casa, esse que é o pior exemplo de ignorância, ingratidão, arrogância e impiedade, a fim de eliminá-lo para que ele não envenene o resto da Europa com seu hálito pestilento.
E toda essa fúria se devia a contestações a algumas absurdas observações de Galeno: o fígado fabricava sangue; o útero possuía múltiplas câmaras e a pituitária despejava suas secreções diretamente no nariz. Três anos depois da publicação do Fábrica, Vesalius decidiu não mais publicar qualquer livro, tantas foram as críticas ao seu trabalho.
Se imperador fosse, Jacob Sylvius teria prorrogado por mais pelo menos 500 anos a obscuridade do início da era cristã. Não bastaram 1400 anos de equívocos.
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