1. OS MENINOS DE DONA GERVÁSIA
Dona Gervásia era muito cuidadosa com seus filhos. E todos sabiam: na sexta-feira ela trazia pelo braço os meninos para consultar com o Dr. Odlave no Centro de Saúde. Todos limpinhos, bem nutridos, roupas bem passadas e cabelos com brilhantina Glostora. Na semana em que dona Gervásia não trazia a trupe para consultar, com certeza algo de importante havia acontecido.
Desse modo, tornou-se amiga do pediatra, das auxiliares de enfermagem e do pessoal da marcação de consulta. Naquela sexta-feira, como de costume, dona Gervásia chegou com seus meninos. O rapaz da recepção, ao separar os prontuários, logo percebeu que a família estava incompleta, e inquiriu, demonstrando intimidade:
– Cadê Generildo, o caçulinha?
– Ah, moço, ele não veio porque está adoentado.
2. EM QUALQUER OCASIÃO, LAMPIÃO É LAMPIÃO
Eu tinha um cliente que fazia o papel de Lampião em uma peça sobre o cangaço que estava sendo encenada na escola do bairro. Todas as noites lá estavam o Capitão Virgulino, Corisco, Menino de Ouro, Beleza, Beija-Flor, Cajueiro, Cigano, Cravo Roxo, Cavanhaque, Chumbinho, Cambaio, Criança, Delicadeza, Damião, Ezequiel, Português, Fogueira, Jararaca, Juriti, Luís Pedro, Linguarudo, Lagartixa, Moreno, Moita Braba, Mormaço, Ponto Fino, Porqueira, Pintado, Sete Léguas, Sabino, Trovão, Zé Baiano, Zé Venancio, além, evidentemente, de Maria Bonita.
No palco, invadiam lugarejos, matavam e esfolavam pobres diabos, tomavam dinheiro de prefeitos não menos corruptos, além de brigarem entre si. As discussões eram acaloradas, e o punhal lustroso falava mais alto, na maioria das vezes. Mas quem mandava mesmo era o rifle. As encenações, à noite, nas escolas ou no teatro da prefeitura, já se estendiam à terceira semana, e muitas balas de festim já haviam iluminado palcos e tablados, e o grupo se mantinha unido.
Rodatam – o pai do meu cliente de cinco anos -, que fazia o papel de Lampião, passava por uma rua do centro, à noite, quando percebeu que havia uma confusão no Bar e Lanchonete Gasnatripa. De longe percebeu que Rodapac – que assumira o personagem de Corisco – metera-se em uma encrenca, e, furioso e fora de controle, exibia uma faca no interior do bar, enfrentando dois desconhecidos; um filete de sangue rutilante escorria-lhe do sincipúcio. Coisas do excesso de álcool. Rodatam, percebendo o perigo em que se encontrava o amigo, e com o moral de Lampião, gritou:
– Corisco, cabra da peste, vá pra casa! Já!
No mesmo tom de voz, Rodapac respondeu, juntando os pés e batendo continência:
– Pois não, Capitão!
E se retirou sem qualquer discussão.
Ninguém entendeu nada. Nem pagou a conta.
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