Esocisp andava macambúzio, desconfiado, sorupembático, escalafobético, colicocéfalo. À noite, no Colégio Padre Miguelinho, defronte ao Cemitério do Alecrim, sem conseguir se conter, mais uma vez desabafou com seu amigo Osoreneg:
– Cara, estou passando por um período muito ruim de minha vida. Aquelas visões pioram dia a dia. Parece que estou sendo vítima de uma ilusão reptiliforme. Acho que é devido àquela coisa que estou fazendo todos os dias, no banheiro, você sabe…
– Nem fale! Se isso desse confusão mental, não havia um estudante equilibrado nesta sala.
Esocisp continuou, agora mais confiante:
– Hoje foram cinco. Um azul, dois vermelhos, um amarelo e um branquinho. Olhei com todo cuidado. Eram calangos de verdade. Passaram pelo meu quintal, quando estava estudando debaixo da mangueira, e ficaram se exibindo, me provocando.
– Tem certeza? Pode ser impressão sua.
– Por isso é que estou preocupado. Pode ser uma alucinação visual, uma visão de espectros, e isso é grave. Tenho que diminuir aquele negócio que faço no banheiro. Por ser muito puxado, acho que estou ficando fraco, com esgotamento nervoso.
– Por que você não marca uma consulta com o Dr. Osobrag, que é psiquiatra, e mora na sua rua? O consultório fica perto. Converse com ele.
E assim fez Esocisp. O médico morava na mesma rua – Campo Santo -, e conhecia quase todos os moradores das redondezas. Ouviu atentamente o amigo/paciente, e marcou uma visita à sua casa no dia seguinte.
No quintal, ficaram observando a movimentação das folhas secas, as frutas caídas, a ramagem das pequenas plantas. Logo surgiram os calangos. Todos coloridos. O primeiro foi o branco, que parecia desafiar os dois, com seus movimentos de cabeça, chamando a atenção para uma cicatriz no sincipúcio. O segundo foi aquele amarelo, mais simpático, que parecia convocar a dupla para um passeio, jogando sua cabecinha da esquerda para a direita, e abrindo e fechando a boca. Em seguida passaram os outros: o vermelho, o verde e o azul. O jovem médico, junto a uma jaqueira, pensou um pouco, franziu o senho e falou:
– Vou ali à casa do Jaime e já volto.
Meia hora depois retornou com um sorriso maroto, e deu a devida explicação para o fato que transtornara a vida do seu amigo.
Jaime morava uma casa abaixo da de Esocisp, e era pintor. Todos os dias usava sua pistola para pintura de carrinhos – pequenos caminhões que recebia para pintar – que um amigo vendia na feira. Quando estava pintando, com a pistola na mão, passava um calango e jassss, pintava o coitado. Já com tinta de outra cor, passava outro calango e jassss, pintava o animal. E foi assim que a fauna colorida foi aumentando.
E assim estava explicado o mistério dos calangos coloridos de Esocisp. E o estudante estava liberado para suas práticas desajeitadas de fisiculturismo que andava fazendo no banheiro, escondido de sua família.
Aliviado, olhou para o muque em seu bíceps de maçarico. No bolso, uma foto amarrotada de Schwarzegger.
Voltaria ao banheiro para mais exercícios de musculação, sob orientação de um colega de turma. E deu uma discreta olhada em seu bíceps à Olívia Popeye.
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