Areia Branca-RN, cidade da minha infância, 1958. Rua do Meio. Consultório do Dr. Vicente de Paula Gurgel Dutra. Elegante, como de costume, o Dr. Vicente dava os últimos retoques em uma peça de ouro, fundida por ele mesmo. Caprichava nos últimos detalhes, e admirava a maravilha alquímica do ouro surgindo na ponta de seus dedos.
Naquele tempo os dentistas elaboravam pessoalmente suas peças, em pequenas oficinas. Não havia a figura do protético. Neste caso, a pequena oficina funcionava em uma saleta, junto ao consultório, na Rua do Meio, vizinho à casa de Antonio Calazans. Dr. Vicente fabricava suas peças odontológicas, fossem simples obturações, coroas ou próteses mais complexas (pererecas ou dentaduras completas, superior e inferior).
Como eu dizia, era final de uma tarde quente, e o dentista, com seu charme habitual, admirava, junto à janela, um pequeno bloco de ouro incrustado no molde de gesso que acabara de ser retirado do massarico, ainda sem os detalhes do que viria a ser: um pequeno e bonito bloco a preencher o espaço de um dente e devolver o sorriso que já fora belo.
Nesse momento, passava um menino com um taboleiro de pirulito nas costas, a gritar a plenos pulmões as delícias do seu produto – OLHA O PIRULITO, ENROLADO NUM PAPEL E ENFIADO NUM PALITO!!! Ao passar junto à janela do dentista, e sem perceber que havia alguém próximo, deu um berro seco e estridente bem no ouvido do concentrado odontólogo:
– OLHA O PIRULITO!!!
Dr. Vicente, em um movimento de defesa, atirou longe obloco de ouro, pôs a cabeça fora da janela e bradou, tentando se refazer do susto:
– Ah, seu filho de uma égua…
E o garoto saiu em disparada, às gargalhadas, rodopiando e pulando, como se jogasse amarelinha, segurando o taboleiro com uma das mãos, lembrando, sem o saber, Geny Kelly em Cantando na Chuva. Na outra mão, a última das três mariolas que acabara de trocar por alguns pirulitos.
Brasil, novembro de 2011. A Sociedade Brasileira de Pediatria comunica e denuncia: pirulitos são vendidos e comprados pela Internet, nos Estados Unidos.
Seria uma maravilha se não estivessem contaminados com o vírus da catapora. Os pais compram os doces lambidos por pessoas doentes e oferecem a seus filhos para que estes, saudáveis, sejam infectados pelo vírus da varicela, ainda pequenos, quando os sintomas da doença seriam supostamente mais brandos. Isso acontece para evitar o pagamento da vacinação.
Em Areia Branca, ontem: a doçura de um menino no esforço pela vida, oferecendo pirulitos multicoloridos ruas afora, aos gritos, bailando sorridente. E comendo mariola.
Nos Estados Unidos, hoje: a venda de pirulitos com saliva contaminada pelo vírus da catapora – seria somente da catapora? -, via Inernet. E com as cores da estupidez.
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