Publicado por: Evaldo Oliveira | Abril 27, 2012

RESTINHO

Em Natal, no final da década de 1960, conheci um rapaz boa pinta, conversador. Estava sempre no meio das rodas de bate-papo, embora de comportamento recatado.

Restinho – esse era o seu nome no Grande Ponto, na praça ao lado do Novo Continente – era figura carimbada nas noites agitadas do centro de Natal. Circulava por quase todos os encontros sociais da cidade, e quase todas as noites juntava-se aos grupos de jovens nas proximidades do Cine Nordeste, ao lado da Sorveteria Oásis, do meu sábio amigo Carlos Alberto Galvão de Campos.

Eu, nessa época, não passava de um moleque, terminando o segundo grau no Atheneu, então dirigido por Crisan Simineia. A juventude de Natal disputava uma vaga no Atheneu, por oferecer ensino de razoável qualidade. Talvez o melhor colégio da cidade, seguido pelo Marista.

Mas eu era intrigado com essa estória de Restinho. Por que esse nome? Um rapaz bonito, elegante, conversador… Por que Restinho?

As festas do América Futebol Clube eram o point da juventude natalense, ao lado do ABC Futebol Clube, com quem disputava a hegemonia no esporte e nos acontecimentos socioculturais da bela capital do Rio Grande do Norte.

Restinho frequentava as melhores festas, assustados e comemorações festivas, e dividia sua agradável presença entre os dois clubes sociais. Bienvenido Granda, com sua voz marcante, enchia as noites de som e alegria e, no contraponto, Waldir Calmon e seu piano mágico. E Restinho circulava entre os amigos com desenvoltura.

Nas festas, as moças ficavam sentadas em torno das mesas, observando os rapazes e comentando os acontecimentos mais recentes.

De repente, percebendo que a faixa musical –  LP na vitrola – aproximava-se do final, Restinho partia em direção à mesa onde se encontrava aquela com quem trocara alguns lânguidos olhares, inclinava o corpo em sua direção, e dizia cortesmente:

– Vamos dançar esse restinho?

Logo em seguida a música terminava. Era aguardar a proximidade do final da faixa seguinte para que se ouvisse novamente:

– Vamos dançar esse restinho?


Respostas

  1. Coisas de Evaldo! diria Laércio, acostumado a ouvir estórias mirabolantes cujos personagens têm nomes trocados, como é o caso de Retinem – que expressa a palavra “mentir”, Mas, Restinho? Conheço alguns: a “piúba” do último cigarro, o último trago da cachaça, a última dentada na coxinha de galinha, a moeda que sobrou para completar o pāo do flanelinha, a última gota do melhor perfume… Porém, Restinho, nome próprio?
    Estava eu nessas elucubraçōes, lendo em voz alta para Valquíria, quando escutei, incrédulo: – Eu dancei com Restinho! Seria verdade? Seria possível? Restinho já não era ficção; era nome próprio. Esse Evaldo é demais!
    Restinho – acrescentou Valquíria – era baixinho, de aparência tímida, um tipo nada atrante, mas insistente. As moças tinham sempre uma desculpa para justificar a recusa aos seus convites: cansaço de fim de festa, calo nos pés, “tá na hora de voltar…”, “desculpe, mas aguardo meu namorado…”, sempre um restinho de desculpa. Mas, quando todos passam ao largo, surge sempre uma samaritana a oferecer um restinho de atenção. E assim Restinho escapava. Dançar seria o bálsamo de alívio à frustração das rejeições. No restinho da noite, Restinho dançava com suas fantasias, garimpando alegrias, restos de sonhos…

  2. Assis, finalmente encontrei alguém que haja dançado com Restinho. Algumas pessoas, realmente, pensavam ser ficção. Só que esta descoberta merece uma nova crônica. A pensar. Obrigado.


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