Fui ao meu barraco/escritório do quintal, mexer em uma caixa de ferramentas, e a surpresa: um ninho de passarinho todo arrumado, com cinco ovinhos cor de jerimum, com pintas vermelhas. Fiz ar de riso. Pensei: estão querendo perturbar o meu sossego. Olhei de lado e descobri a responsável pela bagunça: a mãe passarinho, de tamanho bem pequeno, estava no alto de um caibro, calada, de olho em mim, assustada, com cara de brava. Era um passarinho que, aqui no planalto central, tem o nome de espoleta. No chão, ele não anda, dá pequenos saltos. Contei os ovinhos novamente: cinco.
Voltei com minha máquina fotográfica e disparei alguns flashes em direção ao ninho. Exibi as fotos dos ovinhos como se de minha propriedade fossem. Alguns dias depois retornei ao quartinho e descobri cinco boquinhas abertas em minha direção, famintas, e barulhentas. De novo, a pequenina mãe passarinho me observava de seu posto avançado. Novas fotos, muitos flashes.
Nos dias seguintes, cinco peladinhos, cinco boquinhas abertas. E flashes. Alguns dias depois, retornei para nova sessão de fotos. Outra surpresa: estavam todos com suas vestimentas de cor cinza escuro. O ninho continuava bem arrumado e limpo. Muitos flashes; deste lado, do outro, de lá para cá e de cima para baixo.
No domingo, juntamente com uns amigos, para quem me exibiria, fui direto ao berçário, máquina em punho. Ninho vazio. Tentando justificar o mico, eu ponderava: Mas como? Eles ainda não estavam preparados para voar. Não haviam treinado para as futuras decolagens.
Passei o dia pensativo. Teriam servido de repasto a um gato? Teriam sido comidos por algum rato? Fiz uma perícia detalhada no local do suposto crime, em busca de sinais ou vestígios que pudessem levar aos possíveis autores daquela suposta chacina. Lembrei-me dos meus tempos de IML. Não havia indícios de um massacre. Caso encerrado. Sem vítima, não há culpado. Afinal, eram apenas cinco filhotes de um pequeno pássaro do cerrado.
Um colega de trabalho, auditor como eu, fez uma dramatização dos acontecimentos, de forma teatral. Segundo o experiente profissional, quando a mamãe espoleta chegou à noite, com o jantar da molecada, os filhotes gritaram em coro: Mamãe! Mamãe! Temos uma questão a ser resolvida. Vez por outra vem um sujeito com um aparelho na mão e lança um monte de feixes de luz na nossa cara. Não suportamos mais. Vamos acabar ficando cegos. Temos que sair daqui, urgente!
Estava explicado. Fugiram do meu assédio não qualificado. A mamãe espoleta levou seus filhotes para local menos tumultuado. Confirmei que isso, de fato, acontece com certos pássaros. Não tive chance de assistir aos treinamentos para o primeiro voo, nem cheguei a conhecer o pai, que não deu as caras.
Ainda hoje me pergunto: na verdade, onde estariam os cinco filhotes da mãe espoleta? Teria ela, de fato, transferido os filhotes para local mais seguro? O gato do vizinho nunca mais foi visto.
Iniciei fevereiro de 2012 com esta dúvida.
Evaldo.
Quando comecei a ler o seu relato sobre os flashes , eu pensei .Isto nao vai dar certo.
Em frente a janela da minha cosinha tem uma arvore de brinco de princesa, tamanho medio e uma vez por ano fazem ninho que acompanho com a mesma dedicacao que voce acompanhou os filhotes .
E realmente uma sensacao maravilhosa, ver o crescimento destas aves tao frageis.
Parabens pelo artigo e da proxima vez NO FLASHES
Um abraco
Dodora
By: dodora, on Maio 18, 2012
at 4:40 pm
Pois é, amiga Dodora, acho que o meu maior erro foi ter jogado o flash na cara dos filhotes. Só não entendo é como a mãe os levou (se é que isso aconteceu de fato).
By: Evaldo Oliveira on Maio 18, 2012
at 8:47 pm
O amor de mae e imensuravel e tem os seus misterios.Boa viagem amigo
Um abraco
By: dodora, on Maio 19, 2012
at 4:16 am
Evaldo, o gato do vizinho continua sendo suspeito, mas nenhum tribunal do mundo o condenaria, por absoluta falta de provas. O bichano deveria ter sido perseguido, capturado e submetido à perícia técnica.”In dubio pro reo”. Absolva-se o felino.
By: Guilherme Cantidio on Maio 22, 2012
at 11:47 pm
Pos é, Guigui, neste país de espertalhões, o pobre gato poderia ser acusado de assédio gastronômico. Um abraço.
By: Evaldo Oliveira on Maio 30, 2012
at 1:42 pm
Evaldo: perfeita a palavra “sumiço”; dos passarinhos e do gato do vizinho. Comigo, aqui no Sítio, aconteceu fato semelhante. Ao lado do banheiro do meu quarto de dormir, através de um “cobongó”, mamãe-passarinho entrou e fez ninho em um boné. Veja só! Ao buscar esse boné, já com ele em minhas mãos, a surpresa: alguns ovinhos! Pratiquei a boa ação do dia: deixei o boné no mesmo lugar, acompanhei a evolução do fenômeno, mas nunca pude ver a mamãe-passarinho. Alguns dias depois, o boné estava vazio. Vazio? Tive de limpar palhas e plumas… Por sorte, nenhum gato nos arredores.
Em complemento: Sanderson Negreiros – o poeta, me fez a seguinte pergunta, que ora lhe repasso: – O que é mais belo? O pássaro quando voa ou quando pousa? Sobre esse tema falaremos depois. Abraços, Assis
By: Francisco de Assis Câmara on Junho 4, 2012
at 10:50 am
Belíssima crônica!!
By: Alice on Julho 2, 2012
at 1:31 pm