Publicado por: Evaldo Oliveira | Agosto 17, 2012

A FILHA DO SARGENTO

O Dr. Albano, então Segundo Tenente R2, médico recém-formado no Rio de Janeiro, fora destacado para servir no Grupamento do Exército em Oiapoque, no Território Federal do Amapá, no extremo norte do Brasil, fronteira com a Guiana Francesa. A descoberta de ricas jazidas de manganês na Serra do Navio, em 1945, dera impulso e notoriedade àquela região do Brasil. Perto do quartel foi erguido um monumento à pátria, indicativo do marco inicial do território brasileiro.

Corria o final da  década de 1960, e o Brasil encontrava-se em pleno regime militar. Naquele local não havia cidade próxima, supermercado, cinema, pracinha, bar, restaurante ou qualquer logradouro que pudesse servir de passatempo com algum resquício de prazer. O único divertimento era tomar banho de rio e pescar. Vez por outra, alugavam um barco para passear no rio; do outro lado, avistava-se a Guiana. Por ser uma região de fronteira, os militares evitavam frequentar o país vizinho.

Frequentemente, o Dr. Albano era convocado para realizar partos ou atender índios feridos ou picados por cobras, venenosas ou não. Esse era o dia-a-dia do médico no destacamento perdido no meio da floresta amazônica.

No quartel morava um sargento com sua família, a esposa e duas filhas. Benício, conhecido por Baobá, ficou sabendo de uns boatos que corriam pelo quartel, dando conta de que sua filha mais velha, Dalila, já passara de mão em mão, digo, de cama em cama.

O sargento, entre indignado e fora de si, procurou o Coronel Comandante e exigiu – apesar da evidente diferença de patentes – que ele, como a autoridade máxima naquele fim de mundo, determinasse um exame em sua filha para, ao final,  ficar comprovada a sua virgindade e pureza.

Não adiantaram as ponderações do coronel. O sargento estava decidido a tirar a limpo aquela estória. O Dr. Albano foi então convocado pelo Comandante. Determinou que um exame haveria de ser feito, e o resultado não poderia trazer desgosto ao velho sargento. O comandante até suspeitava de que o R2 também estivesse envolvido naquele imbróglio, mas nada falou.

No dia seguinte, a bela moça foi trazida para ser examinada pelo Dr. Albano. A caminho da sala de exame, o médico tentava encontrar uma forma de não deixar o sargento furioso, ou talvez precipitar sua saída daquele quartel.

Ao final do exame – tendo o Coronel sempre ao lado -, o médico chamou o sargento Benício, pôs o braço em seu ombro e falou com ar paternal:

– Sargento, está tudo normal. Fique tranquilo. Está tudo normal.

Até hoje, o então Tenente R2 não entende o sentido exato daquela expressão, com força capaz de trazer paz ao quartel e tranquilidade ao coração de um pai: Está tudo normal,

Apesar das dificuldades de seu trabalho em plena floresta amazônica, onde reinavam doenças e pragas de toda espécie, o médico – hoje também aposentado – não esquece aquele momento único e inusitado de sua vida.


Respostas

  1. Ah! Quem me dera Dalila! Dalila, se eu fosse Sansão… Era assim que o Dr. Albano cantava no banheiro de seus plantōes. Só não foi mais longe porque tornou-se impossivel abraçar o desconfiado Baobá. Essa estória é ótima e comporta um banho de ficção. Haja imaginação! Assis

  2. Caro Assis, um poeta tem esse dom. Penetra nas letras, vai às palavras, passa pelas orações e chega à frase. Não se dando por satisfeito, põe o estetoscópio da poesia e ausculta o sentido oculto das coisas. Esse o fascínio dos sábios. Invejo.

  3. Dr Evaldo , realmente , nao se consegue medir a sua imaginacao.Fabuloso
    texto.Dodora

  4. Dodora, de fato, a imaginação está sempre ligada. Surgiu algo novo, é só pegar o laptop e escrever. Obrigado pelo comentário.


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