Mal o dia clareara e lá estava dona Alice na porta do quarto da filha, como fazem todas as mães:
– Acorda, Lúcia, está na hora. Já são sete e quinze. Desse jeito você vai perder a reunião com o pessoal que vai produzir o desfile que você está coordenando!
– Hoje eu não vou para a reunião – respondeu a jovem designer de interiores.
A mãe não entendeu. Aquela era a oportunidade que a filha almejara desde que concluíra o curso em São Paulo. Mas a filha de dona Alice sabia o por quê.
Lúcia passara a infância com as mãos sempre frias e molhadas – barriga de sapo, brincavam as amigas -, sujava os trabalhos da escola, fugia das brincadeiras de roda, dos bailes, dos pastoris, das rodas de ciranda, das festinhas da escola. Seu temor era ter de cumprimentar ou ser cumprimentada. Quantas vezes percebera que as pessoas limpavam as mãos na roupa após apertar a sua mão úmida…
Na adolescência, assumira alguns cacoetes, como passar as mãos na calça ou bater nas costas da pessoa, antes de corresponder a um aperto de mão. Namorar, nem pensar. Dançar? Como? Ir à missa era difícil, pois não podia segurar nas mãos das pessoas na hora de rezar o Pai Nosso. Às vezes, cumprimentava as pessoas com beijinhos, de longe, fingindo estar com as mãos ocupadas.
Certo dia, tomou uma atitude de quase alucinação: em uma reunião de grupo, durante o curso universitário, no momento em que formariam uma roda, todos de mãos dadas, chegou ao seu limite: foi ao banheiro e queimou a palma da mão com um isqueiro, simulando um acidente, somente para não ter que oferecer suas mãos para formar a roda.
No semestre anterior, fora indicada para oradora da turma de formandos, mas não aceitou. Como cumprimentar os amigos com aquela mão de cadáver, e molhada?
Aquele seria um dia especial, decisivo para definição de seu futuro profissional. Formada em design de interiores, participaria de uma reunião para definir um projeto arquitetônico inovador, encomendado por um grupo estrangeiro que instalaria uma filial em São Paulo.
Mas, naquela manhã, Lúcia tomara uma decisão definitiva: resolveria aquele problema de qualquer maneira. Já estava cansada de usar cremes, talcos, drogas ansiolíticas, antidepressivas e anticolinérgicas. Há dias, consultara um médico que, de forma simples e confiante, explicou-lhe que a hiperidrose palmar, no seu caso, tinha tratamento, e a cura seria definitiva. E foi apresentada ao pomposo nome de sua cirurgia: simpatectomia torácica videoscópica.
A reunião aconteceu sem sua presença.
Decisão firmemente tomada, foi o tempo de fazer os exames e, alguns dias depois, após uma tarde de hospitalização, já estava em casa, com dois furinhos em cada axila, feliz, fazendo questão de apertar a mão de todo mundo. Já no hospital sentira a diferença, mas ficou com receio de que fosse apenas efeito psicológico.
Feliz, Lúcia desenvolve seu trabalho com satisfação e desembaraço, sendo um forte aperto de mão a sua marca registrada.
Hoje ela olha as pessoas nos olhos, com o coração em paz.
EVALDO ALVES DE OLIVEIRA
Médico Pediatra e Homeopata
Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN
Que bela lição de vida, Evaldo!
Gostaria , hoje, de estar no lugar de Lúcia para dizer: `_Obrigada, Doutor, por existires… Que Deus te conserve sempre por perto de mim.`
É sempre muito gratificante sermos curados de qualquer mal que nos aflige; experiência pessoal!
Um abraço.
By: sônia on Outubro 28, 2012
at 3:51 pm
Os nossos males assumem a dimensão do eu. Só entende o transtorno de uma disfunção quem a tem. Imagine uma incontinência urinária. O sujeito sair de casa, e a urina saindo sem controle. No caso da hiperidrose, seja palmar, seja axilar, o transtorno é imenso. Em uma reunião, a pessoa fica sem ter opção. O sujeito se levanta, lava as mãos e, na porta do WC elas já estão impregnadas de suor, novamente. Quem quiser experimentar a sensação de desconforto, basta passar óleo de cozinha nas mãos e ir para uma reunião qualquer. Imagina alguém apertar aquela mão escorregadia, húmida, fria. Quem quiser conhecer melhor os detalhes desse desconforto, basta ler o livro de uma jornalista – SUANDO EM BICAS, onde esta crônica foi posta para o deleite dos leitores.
By: Evaldo Oliveira on Outubro 28, 2012
at 5:03 pm