Sentada na sala de espera, dona Drazíbula aguardava ser chamada para a consulta com o médico ortopedista. Seu dedo indicador direito, forçadamente direcionado para noroeste, era o retrato de sua artrose. Ao seu lado, uma senhora resmungava pequenos palavrões no timbre das muriçocas. Dona Drazíbula fingia não perceber a provocação da vizinha de cadeira para a conversa.
Olhando em volta, a velha senhora vislumbrava uma verdadeira mostra de muletas, bengalas e andajás. Uma perna atravessada por pinos fazia com que ela não olhasse para o lado esquerdo. Dessa forma, expôs-se ao papo pré-formatado da vizinha:
– Mulher – apresentou-se dona Cantídia -, estou muito preocupada com um negócio que o médico descobriu debaixo do meu braço direito. Na antiga, tive três filhos, todos de parto normal. Nunca houve qualquer problema. Mas nessa nova, que o doutor descobriu, já fiz ecografia, tomografia e até ressonância nuclear magnética, que é um exame novo. Já tiraram líquido com uma seringa. Não dá para entender tanta complicação. Tão nova, e cheia de problemas.
Dona Drazíbula não deu resposta, e ficou imaginando as dificuldades da recém-amiga de sala de espera. Olhava para seu dedo indicador voltado para noroeste, e agradecia seu pequeno problema ortopédico/reumatológico.
Salva pelo gongo, digo, pela atendente, dona Drazíbula foi convidada a entrar para a consulta com o médico. Respirou aliviada, mas seu pensamento estava na frequência de um único tema: o que teria aquela senhora debaixo do braço direito, possivelmente na axila…
Com essa dúvida a lhe sobressaltar, quase não ouviu as orientações e comentários do seu médico assistente. Ao final, não se conteve. Perguntou ao médico qual era o problema daquela senhora que estivera ao seu lado na sala de espera. Doutor Gonartrófilo, sem compreender tamanha preocupação de sua cliente, sinalizou que não podia fornecer tal informação, por ser confidencial.
Dona Drazíbula, percebendo que a ficha de dona Cantídia estava logo abaixo da sua, de forma dissimulada aproveitou o momento em que o médico analisava uma tomografia no negatoscópio e teve acesso à informação que desejava. Rapidamente, em um dissimulado sem-querer-querendo, vislumbrou: não sei o que lá no manguito rotador, não sei o que lá de colisão do ombro mais não sei o que lá e, em destaque, bursite.
Apenas uma bursite, imaginou ao cruzar com dona Cantídia na saída, esforçando-se para controlar seu dedo voltado para noroeste, agora com uma pequena infiltração.
EVALDO ALVES DE OLIVEIRA
Médico Pediatra e Homeopata
Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN
muito curiosa esta senhora, mas muito boa pessoa.
By: dodora on Novembro 10, 2012
at 10:33 pm
Evaldo e Dodora, a curiosidade da dona Drazíbula em relação à enfermidade da dona Cantídia tem um certo sentido, embora ela tenha ido além, ao interrogar o médico sobre o assunto. Tudo evoluiu rapidamente desde a nossa infância aos dias atuais, Vivíamos num tempo
em que certas doenças, se existiam, não tinham suas denominações… como artrite, artrose, osteoporose, osteomielite, HIV, aneurisma, meningite, AVC e tantas outras… Até mesmo o câncer era denominado pelos nossos antecedentes de `aquela doença` com um tom de voz baixo e pondo a mão na boca, denotando um certo temor, lembra-te, Evaldo ou estou enganada?
Hoje, modernamente, já existem aparelhos detectadores de vários males que acometem os seres vivos e denominações, cada vez mais, variadas. Tu, Evaldo, muito bem entende disto.
No entanto, por aqui, observa-se frequentemente que quando um incômodo persiste e não se consegue identificá-lo, costuma-se dizer que é uma virose, tanto para com a criançada como para nós, adultos.
No fato citado acima, não sei qual é o pior, a bursite da dona Cantídia ou a artrose da dona Drazíbula. Só desejo que elas não sejam parecidas comigo; alguém que detesta ingerir medicamentos.
Um abraço.
By: sônia on Novembro 11, 2012
at 11:03 pm
Corrigindo: Quis dizer: entendes ( e não entende…)
By: sônia on Novembro 11, 2012
at 11:07 pm
meu caro Evaldo: Resmungar palavrōes no timbre das muriçocas… é demais! Só mesmo os ventos anatólicos que sopram em Areia Branca… Ainda por cima, personagens do tipo Drazíbula, Cantídia e Gonartrófilo, tinha que terminar em bursite. Sua criatividade é tamanha que me leva a sugerir a criação da academia (ou clube), seja que nome tenha, que reuna os médicos escritores. Não deixe de convidar o doutor Gonartrófilo. Outro assunto: tenho lido todas as suas crônicas. Já não tenho tantas saudades de Rubem Braga e Arthur da Távola. Apenas não me fiz presente em outros comentários mode uma dismornência entre o couro e a carne… Às vezes sinto a disposição escapar como gás de cozinha.
Abraços, Assis
By: Francisco de Assis Câmara on Novembro 12, 2012
at 10:09 pm
Evaldo, este teu amigo, Francisco de Assis Câmara, é demais! Com uma simplicidade invejável diz, em seu comentário, tudo que gostaríamos de expressar sobre tua forma graciosa e impecável usual dos teus escritos, digno de um doutor também das letras.
Parabéns aos dois!
By: sônia on Novembro 16, 2012
at 1:13 am
Assis, somente você para catar, feito maçarico, pequenas gramíneas que possam surgir do meu caminhar poético. Mesmo sendo poucas, você tem a capacidade de colhê-las e degustá-las. Ser seu amigo me engrandece em vários detalhes de minha vida. Um abraço, e até dezembro.
By: Evaldo Oliveira on Novembro 16, 2012
at 3:36 pm
Cara Sônia, o antropômetro que mede a sensatez e o bom sendo do Prof. Assis, aliás, um excelente poeta, é o mesmo que mede essa professora de Areia Branca que deixou a terrinha e foi lecionar em Mossoró, onde plantou sementes de sabedoria e respeito no trato com as crianças.
By: Evaldo Oliveira on Novembro 16, 2012
at 3:40 pm