Publicado por: Evaldo Oliveira | Janeiro 19, 2013

AS ESQUISITICES DE ODARPOLA

 

Desde pequeno Odarpola mostrava sinais de excentricidade, ora utilizando um palavreado esmerado e confuso, outras vezes utilizando vestimenta que fugia à regra da meninada. Chamava as professoras de mestras e as orientadoras de gerentes educacionais. Quando se referia a gargarejos, dizia serem uma toalete orofaringotraqueobrônquica. Sua formatura no ensino médio aproximava-se, e ele não entendia a ausência de um juramento formal, pois os há  para as profissões liberais.

Odarpola fora escolhido orador da turma, e se preparava para sua estreia no complicado mundo da oratória. Preocupado, insistiu em suas pesquisas nos livros de sua estante, mas não se sentiu atendido. Buscava frases ou expressões compatíveis com a grandiosidade que aquele evento singular requeria.

Mergulhou fundo nos livros da biblioteca da escola. Rabiscava aqui, marcava ali, copiava expressões dos grandes mestres da oratória, e foi montando o seu grandioso discurso. Chegou a ler textos de Cícero, o grande orador romano.

Finalmente, chegara o grande dia. O jovem mancebo vestia camisa social de seda branca, tendo a calça mantida à altura por belos suspensórios. Tinha o cabelo encharcado de gel e, no pescoço, uma gravata borboleta. No fino braço, portava um relógio tipo oceanográfico, capaz de suportar até quatro mil metros de pressão sub-aquática, embora não soubesse nadar.

Convocado ao microfone, Odarpola caminhou solene e garbosamente, fazendo aceno de cabeça quando passava diante dos professores, e assim iniciou:

– Senhoras Mestras, senhores gestores educacionais, senhores genitores – refiro-me, aqui, àqueles que resolveram assumir o primeiro degrau de uma linha ascendente de parentesco, ou seja, os pais. Compareço a este púlpito fustigado por intensos atropelos borborigmáticos detonados por uma inclemente e destemperada fisiose que me corrói as entranhas. Porém nada disso me tira o ânimo e a disposição para a luta. Neste momento solene, proponho aos senhores uma análise dos diversos resultados que, com certeza, sugerirão uma oportunidade de verificação dos índices pretendidos, que vão incentivar o avanço tecnológico, com a expansão das atividades de nossas instituições, ao tempo em que assumimos importantes posições na definição das condições apropriadas para o sucesso de nossos negócios. Do mesmo modo, não podemos esquecer que o novo modelo estrutural preconizado facilita a definição das opções básicas para o sucesso do que ora propomos. Por outro lado, a complexidade dos estudos efetuados auxilia a preparação e estruturação de um caminho para chegarmos aos índices pretendidos. A prática tem mostrado que o desenvolvimento de formas distintas de atuação contribui para a correta determinação dos conceitos de participação geral. Isto posto, nunca será demais repetir que a constante divulgação das informações facilitará em muito a definição de nossas proposições, na luta por um futuro melhor para todos. Tenho dito!

Ao final, foi ovacionado de pé.

Hoje, Odarpola ocupa o cargo de Diretor Geral do Departamento das Consequências Medievais, das Efervescências Abserviácias e das Condolências Mediastinais, onde é considerado um gênio.


Respostas

  1. Bem , ele deve ser um genio, porque na verdade eu nao entendi nada do que ele disse. E esta e a funcao do genio. Confundir.
    Um abraco.

    • Dodora, Odarpola é um gênio igual a muitos que afloram por nossas repartições, sempre acobertados pela politicagem descarada de nossos representantes, seja no legislativo seja no executivo. Há alguns anos, um auxiliar de motorneiro foi indicado para chefiar uma Coordenação que movimenta muitos milhões (ou até bilhões), sem qualquer conhecimento técnico. Sua característica: era fanático pelos times da segunda divisão do seu estado.

      • Dr Evaldo , posso imaginar , o quanto o senhor tem presenciado. Tenho muito ainda para aprender.
        Um abraco

  2. No frigir dos ovos o que se deduz é o seguinte: Um departamento com um nome pomposo como esse, tinha que ter um diretor aloprado, como nosso orador aí retratado. Aliás, diz-se do senhor Odarpola que certa vez, ao pretender efetuar a travessia de um braço de rio que separava duas comunidades, dirigiu-se ao iletrado e rude barqueiro nos seguintes termos:
    – Ó respeitável marujo fluvial, qual a paga que estabeleces para transportar-me deste polo àqueloutro hemisfério?
    – Cemitério? – redarguiu o barqueiro, desconhecendo o termo e usando o único de som semelhante disponível em seu vocabulário.
    – Se dizes por ignorância, perdoo-te; mas se dizes para zombar da minha alta prosopopeia, dar-te-ei uma bengalada no alto da sinagoga e cairás rente ao solo pátrio.
    Daí a explicação do galo na testa de Odarpola.

  3. Guilherme, o rei dos trocadilhos inteligentes. Seus comentários nos enriquece e nos deixa pensativos, pelas odarpolices provocativas.

  4. Grande Evaldo, sujeitos do tipo alopradO como esse daí existem aos montes; contudo, há os autênticos, que sabem, pelo menos, manejar o Vernáculo e há os ‘genéricos’ que, no humor político nos fazem morrer de rir com suas algaravias.

  5. Nobre Ricardo, esta cidade está cheia desses abjetos elementos, vindos de todos os recantos deste imenso país. Quando muda o governo, sai uma leva e entra outra, quase sempre pior que a que a antecedeu.

  6. Evaldo, quando leio um texto destes, fico a me perguntar se é fruto de tua fértil imaginação ou baseado numa realidade entre tantas as quais presenciaste.
    Muito interessante o relato. Se ainda estivesse exercendo minha profissão, teria prazer em levá-lo aos alunos para uma proveitosa aula.
    Um abraço.

    • Sônia, aqui nos ministérios trabalham elementos trazidos pelos partidos políticos por indicação das bases dos estados. Geralmente são pessoas de baixa qualificação e altíssimo nível de puxa-saquismo. Até já inventaram uma palavra insuportável: PRESIDENTA. Dizem ser correto. Porém, seria correto chamar o/a companheiro/a de CÔNJUGE, mas alguém fala isso? Tenho verdadeiro pavor desse pessoal. Fui!


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