O menino andava desconfiado. Todos os passarinhos que trazia para casa, presos em gaiolas, fugiam no dia seguinte. É que eles aprendem a abrir a portinhola, meu filho, dizia sua mãe com a cara mais santa deste mundo.
Percebendo que não poderia manter os passarinhos em casa, pois eles logo aprendiam o caminho da liberdade, o menino começou a se interessar por esses pequenos seres.
Ouvira falar do canto estranho de uma ave agourenta; procurou saber se em seu município havia acauã, e descobriu que essa ave não baixava por aqueles rincões. É uma ave do sertão, disseram. Por ali, além dos massaricos, alguns passarinhos cantadores apareciam nos pés de cajarana, em mangueiras, goiabeiras, em especial em Upanema. Na Rua da Frente, garças fugidias escapavam dos manguezais para se exibir voando rasteiro sobre o rio, com seu branco cor de sal e seu canto monótono.
Mais tarde, o assunto retornaria à mente do agora ex-menino, puxado uma bela música de Luiz Gonzaga, em que incriminava o pequeno animal de ser agourento, de atrair a seca, chamar a miséria e a desgraça. Por conta disso, nunca gostei do acauã.
Acauã, acauã vive cantando
Durante o tempo do verão
No silêncio das tardes agourando
Chamando a seca pro sertão
Chamando a seca pro sertão
Acauã, Acauã,
Teu canto é penoso e faz medo
Te cala acauã,
Que é pra chuva voltar cedo
Que é pra chuva voltar cedo
Toda noite no sertão
Canta o João Corta-Pau
A coruja, a mãe da lua
A peitica e o bacurau
Na alegria do inverno
Canta sapo, jia e rã
Mas na tristeza da seca
Só se ouve acauã
Só se ouve acauã
O canto do acauã talvez traga consigo um pouco de tristeza, mas traduz em vida e energia a pesada lida do trabalhador rural. O langor contido no canto do acauã, o ex-menino descobriria alguns anos depois, em uma estranha ladainha. Nela, uma estrofe eleva o canto dessa ave à condição de instrumento de acalanto, com poder apaziguador, de relaxamento, ao tempo em que leva paz ao homem do campo:
Benditos passarinhos cantadores
Que enfeitam a manhã do meu Senhor
O canto do acauã diz-se ser triste
Mas tenta amenizar nosso labor.
Uma canção. Uma injustiça a um pequeno ser. Bulling?
Seu texto me recorda o final de um soneto que fiz concluir assim:
“… Sem penas, vive; e, sem pena, vivo. / Do meu desejo ele é cativo / Enquanto eu, cativo do desejo…”
By: Francisco de Assis Câmara on Novembro 3, 2013
at 11:11 pm