Areia Branca, meados da década de 1950. Noite de sexta-feira quente, sem que o vento marcasse presença, balançando as árvores do quintal, como fazia todas as noites. O rio replicava a preamar determinada pelo mar, que o subjuga, empurrando-o de volta, em um abraço meio tamanduá meio quebra-costela. Por volta das nove horas, quando tudo parecia acompanhar a aparente calmaria do rio Ivipanim, as mães da Rua da Frente encenavam uma ensaiada artimanha.
De leve, com voz tranquila, chamavam a meninada para as redes e, antes de cantar o Santo Anjo do Senhor em um tom mais baixo, em semi-sussurro, diziam com um tom de voz misterioso:
– Meninos, hoje é noite de cruviana. Vamos dormir cedo, porque as ruas vão ficar desertas.
A meninada, vez por outra, punha os olhos no nível da borda da rede, dava uma olhada, tentava cochichar com o irmão da rede ao lado, mas nada. Todos dormiam. Ou fingiam dormir. E aquela noite transcorreria de forma calma.
Sempre me emociono ao falar da cruviana. Hoje, entendo-a como um vento noturno que leva consigo uma aura de mistério, com uma estranha sensação de um frio que corre fino pelo corpo, como uma pizza metafísica meio mágica meio mística. Na infância, nas noites de cruviana, até parecia ouvirmos um som agudo, fininho, tipo assobio, fazendo com que nos encurvássemos ainda mais em nossas redes, assumindo uma posição quase fetal.
Entre ontem, 20 de março, e hoje, aconteceu o equinócio de outono no hemisfério sul. Neste dia, a noite iguala-se ao dia, ao menos na duração, que é igual para os momentos de claro e escuro.
Não sei o que isso tem a ver com a cruviana. Mas o equinócio me lembrou daquele ventinho misterioso que, ao que parece, não mais existe.
Pelo sim, pelo não, hoje vou dormir mais cedo.
É, MESTRE. Esta sim é uma crônica que opera como uma ‘aula inaugural do reinício das aulas’. Vamos agora dar sequência ‘ao novo ano letivo’.
Alô juventude areia-branquense, tire bastante proveito das lições que aqui são/serão publicadas!
By: ricardodimas2013 on Março 21, 2014
at 4:50 pm
Caro amigo Evaldo! Da noite cruviana não tenho lembranças. Minhas lembranças falam das noite de lua cheia que eram dos lobisomens e papas figos. Tínhamos que dormir cedo para não sermos atacados pelos mesmos.
Voce sempre um mestre em suas crônicas.
Um grande abraço e que Deus te abençoe
By: Chico Brito on Março 21, 2014
at 5:18 pm
Noite de Cruviana.
Cresci acreditando que ela existia e assim ensinei a meus filhos que hoje passam a mesma crenca para os filhos.
Na minha imaginacao ela e uma mulher de idade coam cabelos brancos e longos , vestida com uma saia comprida e levando na mao um cajado para castigar quem se atrevesse a ficar do lado de fora nas noites frias de inverno.Fosse em AB ou no Rio de Janeiro.
Obrigada Dr Evaldo por passar a historia de carochinha para os jovens da nossa cidade. Espero que eles apreciem esta lenda, como eu apreiciei e aprecio. Nada melhor do que ter sonhos de criancas que deixamos se tornar realidade.Um abraco.
By: Dodora Pulga on Março 23, 2014
at 2:03 am
Evaldo, recordo-me da cruviana por ocasião do período de férias, em Pernambuquinho… à noite, quando o medo chegava, enrolava-me toda com a rede, forçando a chegada do sono. Hoje, meu MEDO maior é desta incontrolável violência que assola esta cidade, com 35 homicídios em menos de três meses, (mortes violentas), sendo vitimadas pessoas do mal e cidadãos de caráter, não merecedoras da crueldade desses meliantes desalmados.
Bela crônica, amigo. Um abraço. Pronto, Sônia, corrigido.
By: sônia on Março 23, 2014
at 3:57 pm
Por favor, Evaldo, tudo por causa de um ponto a mais no “amigo” (!.), não sei como resolver o problema da repetição do comentário. Faça-o por mim. Grata.
By: sônia on Março 23, 2014
at 4:12 pm
Alguns dias atras fiz um comentario sobre A Noite de Cruvianas, e nao vi publicado, Quando fiz este comentario so tinha dois. Agora vi outros publicados porem nao o meu. Sera que se perdeu?
By: Dodora on Março 25, 2014
at 6:43 pm
Sou do sertão, e nas noites frias ainda se escuta a cruviana. Posso afirmar, ainda existe!
By: Édipo Alencar on Março 14, 2016
at 12:16 am