Não se visita Paris em uma semana impunemente. Uma escorregada ou uma boa coincidência haverá de acontecer. Fui ao Louvre sem tomar o cuidado de verificar a bateria da máquina fotográfica. Felizmente decidi iniciar a visita pela sala da Gioconda, a Monalisa de Leonardo da Vinci. Cliquei à vontade, de todos os ângulos que me foram permitidos. Sim, porque com aquele monte de gente se acotovelando na frente da obra-prima de Leonardo, nem todos os ângulos estão disponíveis. Dali rumei para as antiguidades egípcias e gregas. A quantidade de belos e interessantes objetos é de tal ordem que terminei com a bateria da minha máquina fotográfica. A Vênus de Milo que me perdoe, fica para a próxima.
Muita gente se acotovelando para admirar e fotografar a Monalisa. Empurra pra cá, empurra pra lá, consegui este ângulo do famoso quadro.
Se a visita ao Louvre me deixou apenas com o conforto de ter ali circulado ligeiramente, o objetivo principal da viagem me deu muito mais do que o conforto do objetivo cumprido. Fui em busca de pegadas da Geração Perdida, conforme descrevem Ernest Hemingway, em seu maravilhoso e marcante “Paris é uma festa” e Sérgio Augusto no seu recente e agradável “E foram todos para Paris”. Mas, tal qual um paleontólogo, encontrei bem mais do que isso. Naquela região de Paris, que engloba o 5 e o 6 “arrondissement”, o visitante encontra uma pérola histórica a cada metro quadrado.
Por dois dias caminhei, sob chuva leve e constante, nos arredores de Montparnasse, nos boulevares Saint-Germain e Saint-Michel e nas ruas em torno da Sorbonne. Tudo ali, na rive gauche parisiense.
Trecho do Boulevard Saint-German
Iniciei pela rue des Saints-Pères, para fotografar o Hotel Pas-de-Calais, onde Ezra Pound se hospedou quando chegou em Paris em 1921. O hotel fica no número 59 da estreitíssima rua. Quase em frente, no número 56, fui surpreendido com a inscrição no alto de um velho edifício: Sciences Po.
Logo descobri que se tratava do lado menos charmoso da vetusta Fondation Nationale des Sciences Politiques. O lado charmoso fica no outro lado do quarteirão, na rue Saint-Guillaume. Trata-se de uma expressão mágica para os cientistas políticos. Lembrei-me de muitos sociólogos, filósofos e cientistas políticos brasileiros que por ali passaram nos duros anos dos governos militares. A divagação quase tomou conta, mas segui o roteiro, fotografando os espaços visitados ou habitados por Hemingway e companhia: os cafés Les Deux Magots, o Flore e o Le Pré aux Clercs, o Hotel d’Angleterre e o L’Hotel.
Ao lado do Deux Magots, a simpática e bem nutrida livraria L ‘Ecume des pages ( http://www.ecumedespages.com/). Um título tão sugestivo como esse (espuma de páginas) não podia resultar em outra coisa: fui sugado para dentro e logo me vi bisbilhotando suas prateleiras. Me ocorreu de procurar a “bíblia” (o livro de Hemingway) em francês, e achei, com o mesmo título publicado no Brasil: Paris est une fête. Com uma sorte daquela, chamei um vendedor e arrisquei: vocês não têm a autobiografia de Kiki de Montparnasse? O jovem vendedor não sabia que se tratava de uma joia de alto quilate, do baú da geração perdida. Mostrou-me alguns livros e revistas em quadrinhos sobre a mulher mais desejada na boêmia Paris dos anos 1920. Não eram muitos, de modo que imediatamente botei os olhos num livro com um lindo perfil fotográfico, em contra-luz, intitulado “Kiki. Souvenirs retrouvés”. Tava lá, a autobiografia de Alice, dita Kiki, amante e modelo de vários artistas, censurada nos Estados Unidos dos anos 1930, enorme sucesso em Paris. Hoje é objeto de estudos acadêmicos por esse mundo a fora. O manuscrito original, no idioma original e com todos os sensuais relatos de sua animada e agitada vida.
Veja uma foto da beldade
Também achei o Pantheon, mas a essa altura seria um anticlímax contar-lhes como. Fica para a próxima oportunidade.
(Publicado n’O Jornal de Hoje, maio de 2012)
Evaldo, impregnada de tantas besteiradas visualizadas nesse carnaval, encontro duas preciosidades tuas, (entre todas que nos presenteias), para sentir desintoxicadas minha alma e a mente. Como escreves bem, amigo!!!
Um abraço.
By: Sonia on Fevereiro 22, 2015
at 11:39 pm
Querida Sônia, fico lisonjeado com teu comentário, embora tenha dúvidas se o elogio à crônica que publiquei (Kiki de Montparnasse) não é apenas uma extensão do elogio justo e merecido à maravilhosa crônica de Evaldo “EM PRAGA, UM CORPO ESTENDIDO”.
By: Carlos Alberto on Fevereiro 23, 2015
at 12:34 am
Peço-te desculpa, Carlos Alberto.
As duas crônicas estão no mesmo nível, Fantásticas!!! Realmente falhei em não olhar o autor da publicação da “Kiki Montparnasse”, Parabéns aos dois (queridos) expressivos escritores
Em tempo: Quando fores a Areia Branca, avisa-nos para que eu possa te (re) conhecer.(Soube por Chico de Neco Carteiro que recentemente lá estiveste).
Meu abraço..
By: sônia on Fevereiro 25, 2015
at 4:40 pm
Não há que pedir desculpas, trata-se de um engano facilmente cometível (como diria Magri, o Ministro), porque o nome do autor aparece em letras discretas e sobretudo porque Evaldo é quase exclusivamente quem escreve neste espaço. Quando for a AB te aviso.
Abraço grande e salitroso
By: Carlos Alberto on Fevereiro 25, 2015
at 8:01 pm