Publicado por: Evaldo Oliveira | Junho 26, 2015

O ZIGUEZAGUEAR DE UM ZIGUEZIGUE

Em casa, o morador de Brasília contemplava seu quintal verdinho e bem cuidado. Em frente, junto a um caramanchão, um bonito pé de pitanga exibia-se expondo seus frutinhos em fase de acabamento. Caramanchão é uma palavra estranha, pensou ele com ar de riso; pode ser escrita com um ou dois erres. No canto, um pouco distante, um abacateiro sisudo pedIA desculpas por ainda não ter frutos. Do lado direito, uma jabuticabeira aproveitava as primeiras chuvas para uma renovação total, pois em dezembro planejava entregar seus frutos doces, pretinhos feito as asas da graúna, como gosta de brincar com a amoreira. As duas mangueiras lá no fundo, também por ser outubro, combinaram não comunicar às demais árvores qual seria a novidade daquela dezembro que se aproximava. Tudo indicava que tinha ocorrido um cruzamento de seus elementos reprodutores, e uma delas produziria a manga da outra, de um tipo diferente, para tumultuar o ambiente sempre sério do quintal.

O senhor de bermuda, em sua manhã fria no planalto central, riu ao imaginar tais eventos, e lembrou de algo que ocorrera em sua pequena cidade, no interior do Rio Grande do Norte, pelos idos de um ano qualquer da década de 1950.

De calças curtas, suspensórios teimando em cair nos ombros, na desarrumação do quintal de sua casa, que ligava duas ruas, descobriu-se também contemplando algumas frutas, poucas, de gosto travoso. No muro que separava o quintal de sua casa com o do vizinho, metade de uma cacimba dava para um lado e metade para o outro. Essa cacimba fora construída por baixo do muro, em uma pizza aquática meio lá meio cá.

Certo dia, nesse ambiente de areia solta, poucas plantas e calor no limite dos Celsius excedentes, um ziguezigue solitário apareceu sobrevoando uma bacia feia, de alumínio, sem brilho, que estava sobre um pequeno varal. O fundo da bacia era feito de tábua, tornando sua feiúra mais completa. Do nada, um ziguezigue ziguezagueou em torno de uma bananeira e retornou, passando baixinho sobre a bacia, em um rasante sobre a água, tocando-a de leve com a ponta da cauda. Saiu todo fagueiro, sobrevoou uns pés de verdura que tentavam mascarar os livores que se anunciavam em suas folhas quase sem vida. Novamente, ele passou sobre a bacia, e outra vez tocou a ponta da cauda na água meio salobra, que servia para o banho e a limpeza da casa. Junto a um pé de pinha que jamais dera um fruto sequer, um calango fingia-se de morto, prendendo a respiração e fechando os olhos, sonhando em transformar em aquela figurinha de asas transparentes que voava em grandes círculos.

O senhor de bermuda, ao relembrar essa estória, sentiu remorso por estar em um quintal de grama verdinha, plantas se arrumando para um dezembro rico de frutas, mas sem um inseto sequer. Não contam as formigas cortadeiras e os mosquitos, estes em abundância, perturbando o sossego de Beiçola e de Ressaca, que, em um canto, encolhiam o couro das costas e balançavam a cabeça, mosquitos em profusão.

Compensando a falta de tais elementos da natureza, alguns macaquinhos – saguis ou soins – pulavam de galhos balouçantes, em uma exibição interesseira.

Ali, em outubro de 2014, naquele chão plano com cara de campo de futebol, nada de ziguezigue, sapo ou borboleta. Ele soube que um morador da rua andou matando as lagartas feias que, sem qualquer aval, tentavam escalar algumas plantas do seu quintal. Apesar da rima, foram dizimadas. O senhor de bermuda também não tem visto vagalumes, aqueles bichinhos que nas noites escuras de sua infância riscavam o céu com suas faíscas azuladas. Tampouco tem visto os sapinhos pequenos e magros que, em sua meninice, escondiam-se de predadores descarados, em conluio com as sombras da noite. Nunca mais avistou um cururu, com sua cara de vigia do tempo.

Quintal verdinho, sem borboletas nem ziguezigues.

O soim fugiu.

Crônica publicada em 2013 no Blog ERA UMA VEZ EM AREIA BRANCA


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