Publicado por: Evaldo Oliveira | Julho 24, 2015

O PREÇO DE UMA CRIANÇA

Ribamar, Laura, Carminha, Rivaldo e Dorinha. Ribamar e Laura, os pais; Carminha, a filha mais nova; Rivaldo, o do meio, e Dorinha a filha mais velha. Uma família comum, que poderia constar de qualquer folhetim. Aliás, alguns desses nomes foram tirados do Almanaque Capivarol, que Ribamar colecionava.

Sábado pela manhã, a família inteira na beira do rio Mearim aguardando uma embarcação que os levaria à cidade onde morava Salatiel, o irmão mais velho de Ribamar, que dispunha de melhor situação financeira. Apesar de morarem na mesma região, há anos os irmãos não se encontravam.

Era um dia acinzentado e, no barranco do rio, o assobio da cruviana trazia mais desassossego e inquietação. O rio Mearim banha as cidades de Barra do Corda, Esperantinópolis, Pedreiras, Trisidela do Vale, São Luiz Gonzaga, Bacabal, Vitória do Mearim e Arari, todas no estado do Maranhão.

No barco, passageiros ansiosos. Aqui e ali, pessoas entravam e saíam, e a viagem continuava sem qualquer contratempo. Três horas depois, a embarcação chegava à cidade. Todos se prepararam para o desembarque. Ribamar foi acertar a conta com o dono do barco. O dinheiro não dava para cobrir a passagem da família. Na popa, afastado do restante dos passageiros, Ribamar discutia, gesticulava, até chegar a um acordo com o barqueiro. Tudo resolvido. Fez sinal para a mulher, e se dirigiram todos para a casa de Salatiel.

Abraços, votos de boas vindas, aconchego nos meninos, café na mesa, onde um cuscuz se exibia ao lado de um prato de batata doce. Tapioca e farinha de puba faziam parte das guloseimas. Salatiel, desconfiado, perguntou:

– Ribamar, você não tem três filhos? Onde está a menina mais velha?

– Não teve jeito. Eu paguei nossa passagem com ela. O dono do barco a levou.

Salatiel desesperou-se. Como o irmão poderia ter feito aquilo! Apressado, correu para o quarto, apanhou alguns pertences, pôs a arma na cintura e desapareceu. Conhecia o dono do barco, o que aumentava sua preocupação. Apanhou uma pequena lancha e saiu em disparada, na tentativa de encontrar o barco e a criança.

Duas horas depois, retornou Salatiel conduzindo a menina pelo braço. O comerciante tivera muita dificuldade para reaver a posse da criança. O barqueiro insistia em levá-la para casa. Meio sem jeito, e desorientada, Dorinha correu para abraçar os pais, com um chorinho contido.

Ontem, escassez e miséria, que ainda reinam absolutas nas terras dos bravos Guajajara, a maior tribo indígena do Brasil, à qual pertenceu Caiuré Imana, conhecido como o Cacique Indomável por sua bravura e disposição para a luta.

Hoje, Maria das Dores trabalha em Brasília como assessora em finanças públicas. De sua sala, na Esplanada dos Ministérios, vislumbra ao longe as águas tranquilas do Lago Paranoá, onde um ventinho maroto empurra um barquinho branco, com os custos debitados ao ócio.

Um rio e uma tribo exclusivamente maranhenses. Um bravo povo. Um estado hoje tão ou mais pobre que antes. Uma família corroída pela miséria.

E, no meio, uma criança no jogo do quase nada.

Obs. Publicado originalmente no blog Era Uma Vez Em Areia Branca


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