Saindo do Louvre, ainda sob o enlevo que a contemplação de um museu nos brinda, bem no momento em que as luzes da cidade foram convocadas para substituir o sol, e ainda com lampejos de um fugidio claro-escuro, uma ponte se oferecia inteira aos nossos passos. Não era tão bonita quanto a maioria das pontes do Sena, que naquele início de noite estava sendo invadido por embarcações de todas as cores, lembrando as rodas gigantes e os carrosséis de cavalinhos que iluminaram nossa infância.
O piso da ponte de pedestres era de madeira, e em suas laterais não se percebia nenhuma estátua ou alegoria para chamar de linda.
Mas algo chamava a atenção de todos. Em ambos os lados da Ponte dos Amores,
milhares de cadeados ali dispostos abdicavam de sua função primordial para assumir a titularidade de uma jura. São provas de um amor insubstituível, sem fim; alguns para sempre, a maioria com curto prazo de validade.
Os casais, abraçados, chegam, fazem juras de amor eterno e ali deixam o fogo de sua paixão marcado naquela ponte, representado por um cadeado, sob um acalanto de juras e trocas de afagos. Amores que durarão bem mais do que todo aquele arsenal de ferro e bronze ali travado, preso por um cadeado com duas iniciais pintadas, como se fazia antigamente nas árvores da nossa juventude. Não presenciei nenhum casal jogando fora as chaves. Pelo sim pelo não…
Nós, adolescentes de pequenas cidades do interior, deixávamos as marcas dos nossos amores escritas em calçadas recém-construídas ou reformadas. Éramos os pichadores de então.
E os cadeados foram se amontoando, até que a velha Ponte dos Amores (na realidade, Pont des Arts) passou a exibir sinais de artrose e hérnia de disco. E o governo agiu rápido. Trabalhadores de Paris foram orientados a retirar as centenas de milhares de cadeados, com temor de que o peso imposto pelos símbolos românticos estivesse deixando a estrutura do século IXX em situação de risco.
Os registros e as provas de amor sobreviverão.
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EvaldOOliveira
Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN
Além de registros em calçadas com cimento fresco, eu já machuquei plantas e árvores para registrar um “amor eterno”. Sempre senti uma sensação de egoísmo, mas a beleza da simbologia grita mais alto tem um poder de persuasão incrível. E quando eu li a notícia que os cadeados do amor estavam ameaçando um dos símbolos que eu mais admirei quando fui a Paris, fiquei triste, pois achei tão charmosos aqueles acessórios que emitiam uma energia única. Pelo menos, quem passou por lá e contribuiu para a “artrose e hérnia de disco” (adorei o diagnóstico!) da ponte, certamente terá eternizadas as lembranças do que visualizou da cidade luz naquele ponto.
By: Deborah Souza (mãe da Alice do parquinha da 314) on Julho 1, 2017
at 3:58 pm