Fica sabendo que a honra é uma noção abstrata, inventada como sempre pela casta dos dominadores para que o mais pobre dos pobres possa orgulhar-se de possuí-la.
Não há nada de mais imoral do que roubar sem riscos. É o risco que nos diferencia dos banqueiros e dos seus êmulos que praticam o roubo de forma legalizada, com cobertura do governo. – Disse certa vez seu amigo Nimr.
Ossama, um jovem pobre, de 23 anos, logo aprendeu que pelo trabalho honrado não sairia da miséria. Transitando pelos ambientes miseráveis das ruas de Cairo, capital do Egito, Ossama tinha um forte diferencial competitivo: sabia ler e escrever, em um universo de analfabetos.
Foi nesse ambiente em que Ossama resolveu, por estratégia de sobrevivência, que seria ladrão. Não um ladrão legalista da estirpe dos ministros, banqueiros, mas um ladrão de alto nível, que disputasse espaço com as pessoas importantes da cidade. Com essa ideia, passou a tomar aulas com um especialista carteirista, e aperfeiçoou-se em seu ofício. Queria ser o melhor.
Ossama, seguindo seu planejamento para ser ladrão, tomou aulas práticas com o melhor de todos os carteiristas da cidade. Nimr era responsável pela formação de toda uma geração de bons batedores de carteira que pululavam pela cidade. desenvolvendo uma técnica sutil para surrupiar polpudas carteiras com a suavidade de uma pluma.
O jovem passou a se vestir com os melhores ternos, movimentando-se com modos elegantes, de forma contemplativa, por bairros sujos e mal cuidados da capital do Egito. Desse modo, bem vestido, ele não levantaria suspeitas. Como premissa, decidiu que não roubaria dos pobres.
Ossama era amigo de Karamallah, escritor, ex-presidiário por haver denunciado em um livro alguns atos políticos; um gozador, um gênio, que se divertia com o cinismo das pessoas da sociedade. Com o amigo Karamallah, velho professor, que morava em um mausoléu herdado dos pais, Ossama trocava ideias anarquistas.
Nenhum regime político impedirá de roubar. Estou certo de que sempre poderei exercer a minha profissão. E esta certeza não existe em nenhuma outra categoria de trabalhadores. Alguma vez viste um ladrão no desemprego? – Questionava o empolgado Ossama.
Ao final, em uma tensa conversa com um alto funcionário do governo, surgiu esse diálogo:
– Diga-me, caro príncipe, você não seria por acaso um ladrão?
– Um ladrãozinho bem chinfrim, se comparado a Vossa Excelência. – E Nimr desatou a rir, um riso que não se parecia com nenhum outro, um riso revolucionário, o riso de alguém que acabava de descobrir a face ignóbil e grotesca dos poderosos deste mundo.
–
EvaldOOliveira
Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN
–
Livro: AS CORES DA INFÂMIA, de Albert Cossery, edição esgotada.
E foi aí que, no afã de tornar-se, além de mero ladrão provinciano, terrorista temido, subtraiu um”s” do próprio nome, acrescentando os sobrenomes Bin e Laden. Reiou-se(*).
* Vocábulo nativo e exclusivo do RN, que significa: Lascou-se, sifu.
By: Guilherme Frederico Figueiredo Cantidio on Abril 11, 2020
at 1:38 am