Publicado por: Evaldo Oliveira | Outubro 9, 2020

LILICA, O RETORNO

Depois de alguns dias, passei a sentir uma saudade sutil, que vinha em ondas, tocava meu coração e desaparecia. A partir de então, deixei de usar aquela solução de água sanitária diluída na bancada da cozinha. Voltei ao uso do álcool a 70%, até seguindo a sugestão de alguns leitores deste blog. As mensagens foram muitas. E fiquei à espera de Lilica e suas amigas.

Esperei um dia, e nada. Dois dias, nada. Lilica e seu grupo não davam sinal de vida. Todas as noites eu olhava com cuidado, e nada de Lilica. Desisti de esperar, apesar de continuar utilizando o álcool a 70% na limpeza da bancada.

Quarta-feira à noite, muitos jogos a assistir. Havia jogo do Vasco. Os ingredientes para uma grande noite. Um vinho branco português da Região do Minho já estava aberto, e a taça à espera. Depois de umas duas reposições do vinho e o jogo cheio de emoções, o inesperado.

Aquelas vozes fininhas, em si sustenido, roubaram minha atenção da tela da TV. Cortei o som do aparelho e me concentrei nos gritinhos atrás de mim, sobre a bancada da cozinha. Ali, um grupo de formiguinhas-do-açúcar, já sob o efeito do álcool que ainda não evaporara, caminhava em fila, com algo branquinho na cabeça, que demorei para perceber serem máscaras. Todas usavam máscaras, que traziam algo escrito na parte de cima. Logo entendi tratar-se de uma reivindicação, utilizando frases curtas, como: Formiguinhas-do-açúcar exigem respeito! Em outra, uma justificativa: Gostamos de açúcar, e não tumultuamos sua cozinha! 

O álcool já fazia o seu efeito, liberando substâncias que aceleravam algumas funções e inibiam outras. De repente, uma roda de ciranda se formou, e Lilica e suas amigas se deram as mãos e cantavam: Se o bem existe, por que não para a gente? Somos todas formiguinhas do bem; só queremos ficar contentes. Um viva! Dois vivas! E um grupo gritou: Uh lalalá! Uh lalalá! E o restante respondeu: A vida vai melhorar! Em um só tom, todas repetiram: Uh lalalá! Uh lalalá! A vida vai melhorar!

E saíram em uma fila indiana, com claros sinais de embriaguez, foram até a ponta da bancada e retornaram, entoando seu grito de guerra: Uh lalalá! Uh lalalá! A vida vai melhorar. No mesmo passo, sumiram por trás de alguns utensílios dispostos sobre a bancada, deixando para trás apenas o silêncio.  

Vamos ao segundo tempo do jogo, porque ainda resta um pouco do vinho e muitas jogadas por serem curtidas.

De frente para a TV, pensei: Eu tomando vinho português. E as formiguinhas não tinham direito a um pouquinho de álcool a 70%?

Que retornem amanhã! Vou cantar e dançar uma ciranda com elas.

Na última taça, descobri-me repetindo baixinho: Uh lalalá! Uh lalalá! A vida vai melhorar! Acho que devo estar ouvindo coisas -, pensei. É hora de dormir. 

EvaldOOliveira

Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do


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