Nasci e cresci em uma cidade que fica bem na esquina do mundo. Aqui, o vento bate primeiro. Sopra suave, depois de sua passagem pelo oceano que nos separa da África. Surge limpinho, com ares de viajante, depois de passar rodopiando, atiçando ondas, tangendo embarcações, brincando de dono dos mares.
Ao chegar, o vento que soprava em minha meninice trazia consigo resquícios de ondas, a visão do infinito, restos de luares. Passava serelepe pelas salinas, abençoava coqueirais e alvoroçava cajueiros esquecidos no chão seco e salitrado. Resvalando nas falésias, refrescava grotões anônimos, pequenos cânions que pensavam ser desfiladeiros em uma terra sem montanhas.
Em Upanema, cedo chegado, acomodava-se com a tardinha e, nesse conluio, arrastava-se pelas noites, espargindo seus nanocristais com cheiro de mar, em seus rolés por dunas assanhadas, resvalando em suas barrigas de dinossauro, desnudando pequenos seres ctônicos em suas andanças invisíveis. Foi aí que certa vez tentei escrever meu nome na barriga do vento, mas acho que ele se esquivou.
Planalto Central, 2014. Por que agora falo do vento que passa aqui? De passagem pela Chapada dos Veadeiros, em Alto Paraíso, Goiás – conhecido como o paraíso do centro oeste -, caminhando por trilhas feitas de pedras brancas e cristais de rocha, ao lado de uma legítima vegetação do cerrado, ouvindo ao longe o barulho de nascentes de água límpida, abafado pelo ronco das corredeiras, fui tocado por um vento que imaginei conhecido. Um vento com um pequeno rabisco na barriga.
Daí, minha suspeita de que esse vento seco, que cruza a imensidão deste cerrado oculto no ventre de um Goiás desnudado por Brasília, refrescando cachoeiras e berrando no chão seco, é o mesmo que passou por minha terra, lá na esquina do mundo. Pelo rabisco em sua barriga, concluo que é ele, sim, embora desfigurado. Percebo meu nome que nele escrevi quando criança, bem próximo ao seu umbigo.
É que, aqui, despido de seus elementos marinhos, o vento corre ligeiro, aquecido e quase sem umidade. Aqui, conhece pássaros diferentes; não mais maçaricos. Aqui, aera e refresca plantas distintas. É o pequi em vez do caju; plantações de soja em vez de várzeas salitradas.
Um vento com ares diferentes, mas conhecido desde minha infância.
Um risco na barriga do vento. Coisas de criança. Devaneios de adulto.
–
EvaldOOliveira
Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN
Deixe uma Resposta