Em meados do século XVIII, a vila de Aracati-CE era uma grande produtora de carne salgada, e usava o sal trazido de Portugal, com altos impostos embutidos. Com vistas à solução deste problema, Aracati solicitou a anexação das salinas do rio Mossoró ao seu território, o que foi concebido por uma carta régia de 1793, gerando fortes protestos do governo da província do Rio Grande do Norte.
No século XIX, o desenvolvimento de Mossoró atraía muitas pessoas para a cidade, o que reativou o clima de disputa fronteiriça com o Ceará. As oficinas de carne seca de Mossoró causaram animosidades a alguns comerciantes de Aracati, e estes quiseram fechar os portos dos rios Assú e Mossoró, visando a impedir a saída do produto. A situação chegou ao clímax em 1888, quando a Câmara daquela cidade cearense “mandou medir terrenos à margem esquerda do Mossoró” e tentou estender os limites de seu município, encampando terras das localidades de Tibau e Grossos.
Em 1894, o Estado do Ceará impetrou uma ação no Supremo Tribunal, alegando conflito de jurisdição, que se transformou em ação de limites. Em 1901, a Assembleia Legislativa do Ceará aprovou uma Lei elevando Grossos-RN à condição de Vila, gerando protestos do governo potiguar. Face à reação dos norte-riograndenses que moravam na área em disputa, os governos dos dois Estados mandaram tropas para o local.
As tropas do Rio Grande do Norte, em fins de janeiro de 1904, se posicionaram na barra do rio Mossoró. Os cearenses reagiram, trocando sua posição de invasor para invadidos. Em 5 de março de 1904, a tropa cearense, composta de duzentos e cinquenta homens, tomou posição em Aracati, a 80 km da zona em disputa.
Os cearenses se deslocaram de Aracati até Grossos, aonde chegaram em 11 de março de 1904 e ali estabeleceram seu quartel-general. As tropas do Rio Grande do Norte se agruparam em Areia Branca. Não houve conflito armado.
O presidente da República interveio e mandou que as tropas recuassem para suas bases. A decisão do conflito foi feita por arbitragem, sendo favorável ao Ceará. Nos tribunais, o Rio Grande do Norte ganhou em três ocasiões diferentes: 30 de setembro de 1908; 02 de janeiro de 1915 e 17 de julho de 1920. Rui Barbosa, o grande jurista brasileiro, defendeu os interesses do RN, a fim de que se lograsse uma vitória nesse litígio.
Nos anos 1960, o governador Aluísio Alves fez doação de glebas de terras devolutas a antigos posseiros, muitos deles em região fronteiriça dom o Ceará, medida que viria favorecer os habitantes da região, dando-lhes oportunidade de melhorar seu nível de vida.
A Constituição Federal Brasileira de 1988 determina que, em prazo de três anos, a partir de sua promulgação, que os Estados e municípios promovessem a demarcação de suas linhas divisórias em litígio. Esgotado esse prazo, cabe à União determinar os limites das áreas litigiosas.
O Rio Grande do Norte e o Ceará, até agora, não resolveram definitivamente suas pendências de limites geográficos, conferindo tal decisão ao STF (alínea “f”, art. 102 da Constituição Federal: “Compete ao STF […] as causas e os conflitos entre a União e os Estados, entre a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros…”.
A guerra que quase houve. A paz que o povo queria.
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EvaldOOliveira
Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN
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Baseado no texto A GUERRA QUE QUASE HOUVE, de R. Femenick, do Instituto Histórico e Geográfico do RN.
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