Há sessenta anos em Natal, Remiela já esquecera quase tudo que se relacionava ao Oriente Médio, onde nascera, e tema obrigatório de suas conversas. Ao completar 75 anos, foi preparada uma festa em família. Filhos e netos já estavam preocupados com as falhas de memória do mais brasileiro de todos os árabes. Nada melhor do que convidar um amigo árabe, ex-colega de faculdade, para reviver acontecimentos do passado. Uma varrida no tempo. Mas não lembravam o nome.
Organizado o evento, contratado o buffet, compradas as bebidas e a certeza de haverem convidado todos os familiares, conseguiram o nome do velho amigo do aniversariante: Aisenma. Este era o nome do ex-colega de faculdade, com quem Remiela não falava há alguns anos. Convite feito. Tudo confirmado.
A festa, na casa da família, na praia de Pirangi, começou cedo, com um café maravilhoso, seguido de um banho de mar, em que nadaram juntas cerca de cinquenta pessoas, entre familiares e amigos. Muita gritaria, muita animação, e todas as honras ao aniversariante.
No alpendre da casa, em um canto, uma mesa com duas cadeiras. E lá ficaram Aisenma e o ilustre aniversariante. Os dois foram colocados em um local mais distante, para que velhos segredos pudessem ser relembrados sem constrangimento. Logo entabularam uma conversa animada, onde as risadas se sucediam. Era um riso franco, em bom tom, sem compromisso com o ridículo. Os familiares, em especial os filhos, um pouco afastados, sentiam-se recompensados pela ideia de trazer o velho amigo do pai para aquele dia de comemorações. E os dois almoçaram juntos, ao tempo em que se sucediam gostosas e demoradas gargalhadas.
Mais tarde, os familiares em estado de plena euforia pela aparente satisfação de Remiela em ter rememorado antigas estórias, coisas do passado, farras da juventude e, até, quem sabe, segredos de antigos amores, os filhos foram abraçá-lo.
– E aí, papai, o papo foi bom?
– Que papo? – Perguntou com ar de espanto.
– O papo com seu amigo.
– Por falar em amigo, quem era aquele senhor que estava em minha mesa durante todo o almoço?
No avião, de volta ao Rio, olhando o cartão de embarque, Aisenma esbravejou: Que diabos eu fui fazer em Natal, se lá não conheço uma pessoa sequer?
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EvaldOOliveira
Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN
Já publicado neste blog com outro título e outra formatação
Diferente das personagens, lembrei-me de ter lido esse fato com outra formatação, ainda bem!
Grata, Evaldo, por mais uma excelente crônica!
By: Sônia Ribeiro on Março 19, 2023
at 1:03 am