Quatro e meia da tarde, sol inclemente, levando a temperatura a desafiar a robustez do vidro do termômetro. O calor da região Norte, abafado, úmido, quase ultrapassando o limite do suportável, tornava a jornada de trabalho estafante. Na unidade de saúde, o Dr. Ronaldo tentava usufruir um minuto de descanso, depois de passar por momentos de tensão e desespero.
O médico acabara de atender um senhor que havia levado um soco de um desafeto que lhe acertou o olho direito. Chamado à sala de emergência, deparou-se com o paciente apresentando um grande sangramento no rosto. Após uma limpeza cuidadosa do local, a constatação: o homem usava óculos, e a violência do trauma empurrou a lente arrebentada para dentro do olho, no fundo da órbita. O caso era grave e de difícil solução. Após a retirada do corpo estranho do fundo do olho, e realizados os cuidados iniciais, foi feita a medicação antibiótica que o caso requeria; o paciente foi encaminhado para o serviço de oftalmologia na capital.
Exausto, sentado em sua sala, ventilador ligado, o Dr. Ronaldo tentava repassar os casos que atendera naquele dia. O senhor do trauma no olho, uma crise convulsiva, um ferimento grave no pé, um caso de tétano, duas picadas de cobra, uma mordida de porco… De repente, alguém bateu na porta. Era o Dr. Heráclito, o odontólogo da unidade. Convidou o Dr. Ronaldo para ir à sua sala servir de testemunha em um caso estranho. No consultório, um homem, com sua filha de 14 anos, aguardava uma solução para uma bizarra exigência.
O pai insistia para que o dentista extraísse os catorze dentes da adolescente, todos sãos, para que fosse colocada uma chapa – dentadura superior completa. O pai havia prometido à filha que no dia do seu aniversário de 15 anos daria uma chapa (dentadura) de presente, seu desejo desde pequena.
O trabalho de persuasão despendido pelos dois profissionais foi demorado, desgastante e inútil. De saída, na porta do consultório, o pai vociferou:
– Pode deixar que vou procurar quem arranque os dentes dela! Eu prometi e vou cumprir!
A ignorância vencendo o bom senso.
Neste Mundão de Deus há muitas manifestações da mais pura ignorância. No tempo do gangaço, muitos dos cabras limavam as laterais dos dentes para ficarem triangulares e ‘meter medo nos macacos’. Atualmente, há ‘n’ casos de homônimos de mortos que, quando procuram uma entidade oficial, recebem a seguinte informação do ‘burrocrata’: – Aqui consta que o sr. faleceu e aí… (deixo com a imaginação sua e de seus leitores o desfecho da situação).
Outros casos do time da ignorância dando de goleada no time do bom senso são bem mais atuais: vi, hoje, uma garota com diversos pierces no nariz, lábios e pálpebras e a língua viperina. Não vi, mas talvez ela tenha também nos seios, umbigo, vagina e vai por aí, tudo cercado de tatuagens. Tudo isso podemos até aceitar e creditar à ignorância popular; porém, quando voltamos o foco para os administradores deste País (nos três níveis)… Que dizer de estádio suntuoso para local onde não há sequer times na segunda divisão; teleféricos sobre comunidades sem o mínimo de saneamento básico. O nosso trabalho de persuasão, nesses casos, nos levará a suar muito, ficar roucos, estafados e jamais lograremos êxito.
By: RICARDO DIMAS RAMOS CARNEIRO on Junho 28, 2013
at 11:31 pm
De Evaldo , no final o senhor disse tudo.
A ignorancia vencendo o bom senso
Como lutar sobre ela? Nao existe argumento que a venca.
Ignorancai e a pior inimiga do ser humano. . Muito boa esta cronica. E uma boa licao.
Abracos.
Dodora
By: dodora on Julho 2, 2013
at 2:39 am
Meu Deus do Céu, quantas coisas absurdas existem neste nosso mundo!
Esse, pelo menos, procurou um odontólogo para fazer `o serviço`. Pior foi um que pegou uma faca para tirar seu próprio dente.
Santa ignorância!!!
By: sônia on Julho 6, 2013
at 11:35 pm