Publicado por: Evaldo Oliveira | Abril 2, 2022

MELHOR UM LADRÃO QUE DOIS

D. João IV, rei de Portugal, solicitou a opinião do padre Antônio Vieira (1608-1697), escritor, orador e pensador político corajoso. Queria o rei de Portugal o parecer do religioso sobre se seria melhor nomear um governador ou dois capitães-mores para a capitania do Pará.

O padre Antônio Vieira assim se exprimiu: No fim da carta de que V.M. me fez mercê me manda V.M. diga meu parecer sobre a conveniência de haver neste estado ou dois capitães-mores ou um só governador.

Eu, Senhor, razões políticas nunca as soube, e hoje as sei muito menos; mas por obedecer direi toscamente o que me parece.

Digo que menos mal seria um ladrão que dois; e que mais dificultoso serão de achar dois homens de bem que um. Sendo propostos a Catão dois cidadãos romanos para o provimento de suas praças, respondeu que ambos lhe descontentavam: um porque nada atinha, outro porque nada lhe bastava. Tais são os dois capitães-mores em que se repartiu este governo: Baltasar de Sousa não tem nada, Inácio do Rego não lhe basta nada; e eu não sei qual é maior tentação, se a necessidade, se a cobiça. Tudo quanto há na capitania do Pará, tirando as terras, não vale 10 mil cruzados, como é notório, e desta terra há de tirar Inácio do Rego mais de 100 mil cruzados em três anos, segundo se lhe vão logrando bem as indústrias. 

Tudo isso sai do sangue do suor dos tristes índios, aos quais trata como tão escravos seus, que nenhum tem liberdade nem para deixar de servir a ele nem para poder servir a outrem, além da injustiça que se faz aos índios, é ocasião de padecerem muitas necessidades os portugueses e de perecerem os pobres… 

Menos mal seria um ladrão que dois. Mais dificultoso achar dois homens de bem que um. Carta escrita por volta do ano de 1655.

– 

EvaldOOliveira

Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do RN

Apelidado de O Restaurador, D. João IV foi Rei de Portugal e Algarves de 1640 até sua morte, em 1656. Foi o líder da Guerra da Restauração pelo reconhecimento e pela reconquista da independência de Portugal do controle da Espanha.


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